Robôs e propriedade intelectual: análise de direito comparado da legislação portuguesa e brasileira sobre a proteção do software executado por robôs e de obras geradas por inteligência artificial
Alexandre Libório Dias Pereira
Heloísa Gomes Medeiros
O robô é uma máquina que opera de maneira automática, cujas funcionalidade, mobilidade e capacidade de comunicação e aprendizagem variam consoante os modelos. O significado da palavra abrange desde o brinquedo cão-robô ao robô Sofia apresentado na Cimeira Web de Lisboa, passando ainda pelos autômatos da produção industrial, em especial nos setores de automóvel, eletrônico ou têxtil.
Os robôs executam instruções programadas na forma de software, i.e., o programa de computador ou programa informático. Significa o conjunto de instruções que compõem uma tarefa a ser executada por um dispositivo informático, nomeadamente um PC ou um smartphone. O programa desenvolve algoritmos através de um código-fonte, escrito em linguagem de programação (Fortran, Basic, Cobol, Pascal, C++, Java, Python, etc.) e depois convertido em código-objeto ou arquivo executável (em linguagem binária de máquina). Existem vários tipos de software, desde o firmware, que é o software embutido na máquina (por ex. ROM, BIOS), aos sistemas operativos (iOS, Android, Windows, Linux) e as aplicações (Office, antivírus, navegadores, jogos). Em sentido amplo, o software abrange ainda os algoritmos e a documentação do suporte lógico (descrição do programa e manual de instruções), bem como as bases de dados ou informação lato senso que processa (dataware).
No campo da robótica, o software é, portanto, o centro de operações ou comandos do robô, e o grau de “inteligência” do robô depende do software que executa. O robô é, muitas vezes, feito à imagem e semelhança do seu criador humano, tanto na aparência física como no comportamento e na comunicação. Todavia, nem todos os robôs têm rosto humano. Compare- se, por exemplo, o androide astro-mecânico R2-D2 com o C-3PO, este último um androide de protocolo, com formas mais próximas dos humanos, e que se apresenta nos seguintes termos: “Eu sou C-3PO, ciborgue de relações humanas e fluente em 6 milhões de línguas e falas de comunicações diferentes.”
Estes personagens do épico filme de ficção científica Star Wars – Guerra das Estrelas, de George Lucas, são seres mecânicos (por oposição a biológicos) dotados de inteligência. Inteligência esta que evoluirá não apenas em termos comunicacionais e comportamentais, mas também em termos fisionômicos, como os Transformers da Hasbro, robôs alienígenas que são capazes de transformar os seus corpos em outros objetos tais como veículos automóveis. Seres prediletos do reino da ficção, muitos deles não são sequer criação humana, antes provêm de mundos ainda por descobrir e ameaçam até a sobrevivência da espécie humana.
Detenhamo-nos nos robôs gerados por humanos e cada vez mais providos de inteligência artificial (IA), ainda que não necessariamente conforme a humana. AI é um ramo da ciência informática que procura métodos ou dispositivos computacionais capazes de emular a capacidade racional do ser humano de resolver problemas, pensar ou, de um modo geral, atuar de modo inteligente. É o que sucede com o Watsonda IBM, com aplicações relevantes no setor de saúde e no setor jurídico, bem como nos sistemas de gestão de água, energia ou trânsito. Fala-se até na substituição do Dr. Google pelo Dr. Watson: não apenas localiza a informação como a processa em termos semelhantes ao pensamento humano nos mais variados setores, nomeadamente na saúde, podendo ser instalado num smartphone e ficar à distância de um clique, à semelhança do que já hoje sucede em tantos outros domínios e que ainda num passado não muito distante dificilmente passariam de algo mais do que ficção científica do tipo Guerra das Estrelas. Os desafios jurídicos colocados pelos avanços tecnológicos fazem-se sentir em vários domínios, do civil ao laboral, passando pelo administrativo e fiscal, nomeadamente com o desenvolvimento do chamado “governo eletrônico”. O Parlamento Europeu aprovou uma Resolução, de 16 de fevereiro de 2017, que contém recomendações à Comissão sobre disposições de Direito Civil sobre Robótica. Define princípios gerais, nomeadamente um sobre propriedade intelectual sustentando que “não existem disposições legais especificamente aplicáveis à robótica, mas que os regimes e as doutrinas jurídicas existentes podem ser rapidamente aplicados à robótica, embora alguns aspetos pareçam requerer uma ponderação específica;” por isso, “insta a Comissão a apoiar uma abordagem horizontal e neutra do ponto de vista tecnológico da propriedade intelectual aplicável aos diversos setores onde a robótica poderá ser aplicada” (PARLAMENTO EUROPEU, 2017).
Neste contexto, uma primeira questão que se coloca é a da proteção jurídica do software executado pelo robô, i.e., saber se o software do robô pode e deve ser protegido, e, em caso afirmativo, em que termos. Este problema encontra-se pautado pelos tratados internacionais e legislações nacionais de propriedade intelectual, no entanto, persiste a questão sobre como ocorrerá a proteção jurídica sobre as obras geradas por IA.
O software do robô, enquanto programa de computador, não apenas pode como é protegido ao abrigo da propriedade intelectual. A questão foi suscitada há mais de meio século, tendo sido objeto de animada discussão e de inúmeros estudos, ao ponto de um autor exclamar: “Not another one!” (DWORKIN, 1996, p. 165)
Confrontaram-se várias teses. Uns defenderam que o software, pela sua natureza, deveria ser protegido como invenção técnica pelo direito das patentes, ao passo que outros pugnaram pela tutela do programa de computador ao abrigo dos direitos de autor. Uma terceira via consistiria em atribuir uma proteção dita sui generis, um misto de patente e de direitos de autor, sendo certo que, em qualquer caso, poder-se-ia sempre recorrer à proteção dos segredos comerciais ou saber-fazer tecnológico.
Todavia, em 1973 a Convenção de Munique sobre a Patente Europeia excluiu os programas de computador, enquanto tais, do objeto de patente. Depois, em 1980, os EUA adotaram o “Software Copyright Act” (MILLER, 1993) e, em 1985, praticamente todos os países do G7 aprovaram legislação no mesmo sentido. A então CEE consagrou igualmente a solução direitos de autor, e o mesmo sucedeu posteriormente nos instrumentos internacionais da propriedade intelectual, como sejam o Acordo ADPIC de 1994 (OMC) e os Tratados de dezembro de 1996 da OMPI (VIEIRA, 2005).
Neste cenário, o objetivo geral do presente trabalho, é realizar uma análise de direito comparado das legislações portuguesa e brasileira sobre a proteção do software executado por robôs e de obras geradas por inteligência artificial de modo a comparar as soluções que tais ordenamentos jurídicos apresentaram ao problema.
Para tanto, o primeiro tópico abordará a proteção jurídica do software executado por robôs na legislação portuguesa, em seguida, discorrerá sobre a proteção jurídica do software executado por robôs na legislação brasileira, e, por fim, delineará perspectivas sobre a proteção jurídica das obras geradas por inteligência artificial no direito português e no direito brasileiro, tendo em vista que ainda não há legislação sobre o tema em nenhum dos países.