A promoção do desenvolvimento sustentável através de um sistema regulatório que ofereça recompensas

19/06/2020

por Isabella Pearce de C. Monteiro

(Ensaio anteriormente publicado no Jornal Estado do Maranhão em 21 de julho de 2019. No 20.509)

Em 1962, a bióloga norte-americana Rachel Carson previu que a humanidade havia chegado a um ponto de bifurcação: de um lado, estava o caminho de um modelo de crescimento econômico insustentável, que apesar de mais fácil, nos levaria invariavelmente a um colapso; e do outro estava um caminho novo, mais difícil e desafiador, mas que permitiria à humanidade viver sem prazo de validade. A previsão de Rachel Carson traduziu-se num chamado à mudança, e nas décadas seguintes as pesquisas aumentaram exponencialmente, o debate cresceu, conferências internacionais foram realizadas, a legislação internacional e as legislações nacionais sobre meio ambiente ganharam corpo e emergiu um conceito que representa não apenas um novo modelo de desenvolvimento, mas a chance de termos um futuro próspero sem prazo de validade: desenvolvimento sustentável.

O conceito de desenvolvimento sustentável surgiu justamente para que os países em desenvolvimento continuassem a ter a possibilidade de se desenvolverem socioeconomicamente e chegarem ao nível dos países mais ricos; contudo, o desafio do mundo como um todo, tanto de países desenvolvidos quanto daqueles em desenvolvimento e de acordo com a capacidade de cada um, é o de promover esse desenvolvimento dentro do que a natureza é capaz de suportar – em outras palavras, o desafio é o de conciliar desenvolvimento com a proteção do ambiente, ponderando e otimizando esses dois objetivos ao máximo possível.

O desenvolvimento sustentável trata-se de uma equação de complexa resolução, que já vem sendo resolvida há décadas e está em avançado estágio na teoria – contudo, na prática, ainda patina. Enquanto a teoria avança a passos de lebre, a prática tem avançado a passos de tartaruga, e isso ocasionou um grande abismo entre a teoria e a prática do desenvolvimento sustentável: enquanto na teoria temos mapeados e definidos os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, além de incontáveis tratados internacionais e leis nacionais, na prática a situação do planeta, a casa comum que sustenta a nossa vida, continua a piorar.

Se no século XX a chegada da humanidade ao ponto de bifurcação soava como uma previsão, hoje ela é a mais plena e cientificamente comprovada realidade. Existem 9 problemas ambientais que afetam o globo como um todo, e os seus limites de segurança são chamados de “Limites Planetários”, os quais não devem ser ultrapassados sob o risco de colocarmos a própria humanidade em risco. No entanto, 4 desses 9 limites já estão ultrapassados, como a mudança climática, e as consequências disso já estão sendo sentidas em todo o planeta. A crise ecológica não é mais previsão, é uma ameaçadora realidade.

Existem várias soluções que são interdependentes e devem atuar em conjunto para fechar o abismo e permitir que a prática do desenvolvimento sustentável alcance a teoria já criada, soluções que promovem um modelo de desenvolvimento em que o os impactos ambientais sejam cada vez menores até chegarmos ao ideal, num futuro não tão distante, de uma economia circular e de baixo impacto ambiental, capaz de operar dentro da capacidade de carga do planeta e, com isso, existir sem prazo para acabar.

Uma dessas soluções reside no sistema regulatório (a ampla legislação que, permeando diversas áreas, regula a produção e o consumo). Existem duas formas do sistema regulatório fazer com que pessoas, empresas e demais entidades tomem ações em prol do desenvolvimento sustentável: por exigências ou recompensas – em outras palavras, por pressão ou persuasão, por dor ou por amor.

Hoje, os países do mundo concentram seus esforços num sistema regulatório que opera predominantemente através de pressão, ou seja, através da imposição de exigências legais que devem obrigatoriamente ser cumpridas – por exemplo, as exigências relacionadas ao licenciamento ambiental.

Contudo, a possibilidade de se incentivar comportamentos e escolhas através da persuasão, da recompensa, ainda é pouco utilizada, especialmente na seara ambiental. Esse é um ponto, portanto, em que o sistema regulatório ainda possui enorme potencial e necessita ser urgentemente aproveitado.

Nesse sentido, é necessário buscar formas de beneficiar empresas e pessoas que vão além de suas obrigações legais e adotam comportamentos e escolhas que, apesar de não obrigatórios, são os melhores do ponto de vista socioambiental. Por exemplo, uma empresa que, além de cumprir com todas as exigências do licenciamento ambiental, também se esforça para adotar práticas acima do exigível e obter com isso uma certificação ambiental; ou uma empresa que opta pela melhor tecnologia disponível, mesmo sendo mais cara e não exigida na licença ambiental, para minimizar os impactos ambientais.

Algumas recompensas oriundas do sistema regulatório já existem, mas são tímidas. É necessário pensar em muitas mais formas do sistema regulatório atuar na linha da persuasão, da recompensa.

Exemplos ainda puramente teóricos ou já existentes em pequena escala podem ser apontados:

  • benefícios fiscais mais robustos para a geração de energia através de fontes renováveis e de baixo impacto ambiental, fazendo com que o preço de investimento nas mesmas torne-se mais atrativo do que é hoje;
  • desconto no ITR para propriedade rurais que preservaram área florestal para além do exigido em lei (ou seja, a área poderia ter sido desmatada e não o foi, é o chamado “desmatamento evitado”);
  • desconto no IPTU para edifícios que adotem uma arquitetura sustentável – com sistema de reuso de água, por exemplo;
  • celeridade diferenciada em processos administrativos, como a renovação de licença ambiental, para empreendimentos que possuem alguma certificação ambiental mundialmente reconhecida e acreditada (e conseguida após auditoria da entidade certificadora) ou, ainda, para empresas que elaboram e apresentam anualmente à sociedade seu Relatório de Sustentabilidade.

O desafio está aberto, é necessário que pensemos em mais formas de recompensas, fazendo com que o sistema regulatório funcione tanto através da pressão quanto da persuasão, e que as pessoas, empresas e demais entidades não sejam simplesmente agentes que cumprem obrigações, mas sim agentes que se empenham em encontrar e optar pelas melhores soluções possíveis, sendo proativos na busca por um modelo de desenvolvimento que nos permita viver em um mundo economicamente próspero, socialmente inclusivo e ambientalmente sustentável.

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